O que é o virtual? Pierre Levy

Pierre Levy, “filóso francês da informação que se ocupa em estudar as interações entre a Internet e a sociedade“¹, em sua obra “O que é o virtual?”², aborda de que maneira a virtualização afeta a informação, a comunicação, os corpos, os panoramas econômicos, sociais e cognitivos. Para ele o virtual, ao contrário do que equivocadamente é propagado não é sinônimo do falso, do inexistente, imaginário. O virtual é algo potencialmente real, sendo que, ainda só não é atual.
O autor busca definir conceitos básicos que serão necessários para compreensão do que é o virtual proposta pelo livro. Estes conceitos são apresentandos de maneira que seja possível realizar o confronto constante com as idéias vigentes do senso comum ou de compreensão equivocada sobre esta nova sociedade virtualizada. O autor inicia o capítulo definindo atual e virtual, que são antangônicos. O atual que vem a ser o momento em quem a potencialidade do virtual se concretiza ou se manifesta a partir de uma necessidade de buscar soluções para resolver um complexo de problemas, provocando transformações de idéias, saberes e práticas que movem o virtual. O virtual é o real, porém ainda não existente. O virtual, apesar de não ser visto, não ser tangível, ele potencialmente existe. Está disperso, mas não ausente. O virtual permite um desdobramento das entidades no espaço – tempo, modificando as interaçõe socioeconômicas, sendo ao mesmo tempo esse um benefício, mas que também gera inquietações, provocando assim, novas atualizações.
Levy também aborda a virtualização do corpo, sendo esta uma passagem pelas constantes autocriação e reinvenção que sustentam a espécie humana, que passa por transformações biológicas, motoras, comportamentais, orgânicas a partir de influencias externas. Estas transformações provocadas pelo contato e experiência com o virtual afetam a maneira como percebemos o eu e o outro no mundo e o mundo. A meneira como percebemos a projeção dos corpos, que não são uma mera reprodução de imagem, mas sim uma telepresença, uma existência, um desdobramento do corpo entre o aqui e o lá; O revirar das entranhas dos corpos, através dos mecanismos e aparelhos de virtualização, que são totalmente externalizados, desvelados e revirados sem que necesáriamente tenham sido sangrados ou secionados; A virtualização do corpo que interferem na capacidade de adaptação, re- construção e reinvenção dos corpos (ou parte dele), transformando corpos em hipercorpos que em parte ou no todos estão ligados a outros corpos (transplantes, transfusões sanguineas, fertilização, clonagem, etc) que rompe com o conceitos simbólicos e religiosos vigente até então: “Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue.” Com a virtualização, não existem mais corpos individuais e sim um hipercorpo híbrido e mundializado; A intensificação demonstra como é possível o corpo transgredir seus limites e a metamorforsear-se ao ser submetido a ações extremas propostas pelos esportes radicais que quase sempre exigem do corpo habilidades relativas as outros corpos não humanos como por exemplo: natação – peixe, alpinismo – cabra selvagem, para-quedismo – pássaro, ultrapassando limites, conquistando outros meios e intensificado sensações e ao máximo a presença física no aqui e agora, dando vez ao atual, no entanto, tal encarnação no aqui e agora são relativas se compararmos a um surfista que nunca está verdadeiramente presente, pois este abandona o seu ponto de apoio, o chão e se desterritoriza ao se permitir surfar em várias direções em ondas de diferentes intensidades e forças. Este mesmo surfista, se metamorfoseia no surfista da rede que perde seu corpo e ganha um hipercorpo que permite várias maneiras de interação e intervenções virtuais que modificam o real.
A virtualização do texto (entende-se por texto qualquer discurso, idéia, mensagem onde exista emissor e receptor) é analisada de acordo com a leitura ou a atualização do texto que implica a mera decodificação e interpretação da informação. Buscamos compreender os códigos, a intenção e o sentido das palavras usadas pelo autor/transmissor. Quando esta atualização dá lugar a virtualização do texto, a compreensão isolada deste, perde o seu sentido e passa-se a a relacioná-lo a outros textos, signos, discursos e todos os outros desejos existentes e este texto é pulverizado, avaliado, diluído transformando a própria subjetividade do sujeito; A escrita ou virtualização da memória demonstra um caminho inverso da leitura. A memória que é uma função cognitiva se realiza na escrita que é uma tecnologia virtual. A escrita é assincrona e desterritorizada. A mensagem escrita geralmente está separada em tempo e espaço de sua fonte de emissão; O processo de digitalização do texto permite por meio dos recursos tecnológicos uma potencialização do texto, pois o leitor perde a neutralidade comum à leitura do livro convencional. Na leitura digital permite transformar o texto em hipertexto, onde o leitor torna-se autor, co-autor editando e remontando o texto original. Desta maneira o virtual se manifesta porque permite que a subjetividade humana busque outras maneiras de ler e compreender, redigir e interagir com o texto. Não mais escritor e leitor. Os papéis se confundem e se fundem no ciberespaço.
No campo da economia a virtualização também está presente desde a grande demanda no mercado na área do turismo, onde as pessoas desejam se desterritorizar até o consumo de equipamentos de telecomunicação e informática que permitem uma extensão do corpo, aqui e lá. Outra forma de virtualização é a moeda que é capaz de mobilizar mercados internacionais, fazer bolsas de valores despencarem. Ela move os pensamentos de operadores financeiros que por sua vez se espelham no pensamento de outros operadores para entender a dinâmica e o caminho que a moeda indicará ao mercado financeiro. Entende-se aqui por moeda as letras de câmbio que alteram toda a dinâmica financeira mundial. A informação também é questionada pelo autor, como sendo uma virtualização ou uma desmaterialização. Negando a imaterialidade da informação (logo, não pode ser desmaterializada) e do conhecimento por não serem coisas ou substâncias, Levy aponta para o acontecimento ou o processo que movimenta a inteligência e o saber coletivo difuso em toda parte, em todo o tempo e espaço
A obra também traz em seu bojo uma reflexão sobre as três virtualizações que fizeram o humano: a linguagem, a técnica e o contato. Dando destaque a este primeiro, que desde a sua invenção, o homem habita um espaço virtual, atemporal, onde ele utiliza esta linguagem para expressar experiências vividas no aqui e agora ou no passado. Estas memórias intereferem diretamente na maneira como o homem interage com o aqui e agora ou com o futuro. Buscar na memórias experiências vividas implicar virtualizar-se, pois demanda se despreder do presente e ao mesmo tempo intensificar a própria existência em momentos e mundos que a memória percorrer. Alimentar essa linguagem implica recorrer constantemente a novos aprendizados advindos de diversas interações com o mundo (artes, leitiras, músicas, etc). Sendo assim, o público torna-se privado e ao varrer-se as memórias sobre as sensações experimentadas e externalizá-las, o privado torna-se público. Desta maneira a complexidade das linguagens virtualizam o tempo real e acrescenta ao mundo uma nova dimensão. Sem intencionar reduzir tudo à linguagem, Pierre Levy atribui às operações gramaticais (ler e escrever), dialéticas (raciocínio) e a retórica (convencer pela oralidade)como sendo o centro da capacidade virtualizante da linguagem, que é uma estrutura abstrata que transporta o homem ao aqui e o agora.
O filosófo atinge o ápice de sua obra quando trata da constituição do sujeito. Este sujeito que integra e é integrado por um coletivo pensante, pulsante que é construído, definido pelas redes de interações em que o sujeito está inserido. Esse coletivo pensante é desenvolvido e mantido pelas linguagens, técnicas, afetividade e instituiçoes utilizadas/manifestadas pelo sujeito. Neste contexto, as rede digitais interativas provocam uma re-evolução social positiva, pois modificam a todo momento o ambiete cognitivo do sujeito coletivo e que refletem na organização social, econômica, financeira e política. Esse sujeito coletivo e pensante também é afetivo. Ao exercitar a sua afetividade, suas emoções, o sujeito desdobra o seu mundo interior e o revela ao meio externo se desterritorizando, afirmando assim a sua essência e a sua existência. Esse desdobramento da afetividade do interior para exterior, também reflete na maneira como o externo modifica e influencia o interno. As experiência, sensações e emoções sentidas/vividas atualizam o mundo psiquico do sujeito e a sua consciência individual.
Outra procupação do autor é explicar de que maneira e para que se dá a inteligência coletiva, que surge de grupos que por afinidades, por meio das linguagens ou por interesses tendem a se aproximar de seus iguais ou dos mais semelhantes, embora não exista a unanimidade entre eles. As multiplas e diversas inteligências que atuam no cognitivo individual, corroboram para construção e elaboração da inteligência coletiva. Esta inteligência coletiva não é a inteligência voltada para os estudos das áreas do conhecimento (arte, ciência, etc) mas sim, para que os sujeitos se tornem a produtores de culturas, validando todos os seus saberes do senso comum individual e coletivo, movidos e inquetados pelo objeto que é o elo que mantém a coesão do coletivo. Entende-se por objeto a razão que mobiliza e determina as relações do sujeito na sua individualidade em direção à coletividade.
Na sociedade atual, o ciberespaço surge como um provedor de objetos de grande relevância para a produção de inteligências coletivas, pela sua dinâmica e manutenção advinda do próprio sujeito. No ciberespaço existem objetos que agregam grupos que interagem entre si constituindo assim um novo coletivo inteligente.
A leitura da obra de Pierre Levy provocou inquietações e diversas dúvidas no que se refere a compreensão das terminologias empregadas para discorrer sobre a virtualização. Porém, de fato, não é possivel mais negar que a virtualização tem provocado grandes transformações na sociedade atual. Uma nova especie humana está surgindo, de maneira que a presença, torna-se quase uma onipresença, considerando que é possível estar aqui e lá ao mesmo tempo, desterritorizado, desfrutando de uma liberdade para navegar por um universo de possibilidades de construção de saberes, de superação, de interações, de aprendizagens e de viagens, transpondo assim a limitação de deslocamento do seu engessado corpo físico.

1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_L%C3%A9vy, em 02 de agosto de 2010 às 09:35h
2.LÉVY, Pierre. O que é virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1996. 160p.